Meu primeiro carimbo no passaporte: relatos de viagem

quinta-feira, agosto 20, 2015

Ano passado, durante o mês de dezembro, eu, minha mãe e uma amiga passamos seis dias na Inglaterra. Em Londres, para ser mais precisa. Sim, a terra da Rainha, das cabines telefônicas mais charmosas do mundo, da pontualidade (é sério!) e da chuva (ainda que esta não tenha dado o ar da sua graça durante a minha estadia). Hoje, exatos sete meses após esta experiência, resolvi digitalizar meu diário de viagem. Foi um período de descobertas, repleto de primeiras vezes, como toda viagem deve ser.

Eu e Mariana no Charles de Gaulle.
Para começar, foi a primeira vez que passei 12 horas (!) sentada. Depois de muita dormência nas pernas – e glúteos –, desembarquei no aeroporto de Heathrow. Todos os passageiros e suas respectivas bolsas de mão foram cheiradas por um cachorro. Quando o bendito canino constatou que eu não era uma discípula do Bob Marley, fui surpreendida por uma policial, que perguntou se eu era brasileira. Ao responder que sim, consegui meu primeiro emprego não remunerado e com jornada de cinco minutos: tradutora. Uma empresária gaúcha, que já havia viajado por vários países, mas – Óh! Pasmem! – não sabia falar inglês possuía um itinerário muito complicado para ser explicado através de seu domínio “the book is on the table” do idioma. Alternava meu olhar entre o rosto dela e o da policial, que ficou satisfeita com as informações repassadas. Deu tudo certo e seguimos com a moça até a imigração, etapa que foi vencida sem complicações.

O frescor da independência veio algumas horas depois, quando saí para comprar o chip do celular e o Oyster Card (uma espécie de bilhete único inteligente). A sola do meu coturno fazia “tec tec tec” no asfalto, enquanto o vento frio esvoaçava meus cabelos. Pronto: já me sentia a Beyoncé no clipe de “Crazy in Love” (com muito mais roupa, obviamente).

Durou pouco. Todo o glamour deu lugar à insegurança quando ficamos perdidas procurando a Theobalds Road, rua da casa de chá. Graças à prestatividade de uma londrina simpática chegamos à Bea’s of Bloomsbury e rapidamente nos entupimos de bolinhos e pães.

No dia seguinte, 16/12, fiz minha primeira viagem no metrô londrino. Parecia que eu utilizava o transporte há anos; me senti em casa. Aliás, vou sentir muita falta do Underground, em seus mínimos detalhes: tocar o Oyster no leitor da cancela, ouvir os avisos de segurança (Please mind the gap between the train and the platform!), sentir o vento quando o trem chegava...

Por fim, desembarquei na estação Westminster e dei de cara com o Big Ben, que ficou ainda mais majestoso com a luz tímida do sol. Pude ouvir as badaladas do relógio e contemplar a extensão do Parlamento. Próxima parada: London Eye. Atravessei a Westminster Bridge e cheguei ao píer da roda gigante, cuja volta de trinta minutos parece durar apenas três.

Um homem de saia num frio de, pelo menos, 8ºC. 
Logo em seguida, após uma rápida visita ao Aquário da cidade e almoço – com direito a Coca Cola derramada na calça e no chão do Subway –, nos dirigimos ao enorme Madame Tussauds. Assediei o Johnny Depp, beijei o Tom Cruise, cantei junto com o Freddie Mercury e tirei meleca do nariz de Hitler. O passeio vale muito à pena, pois o museu é enorme e oferece atrações além das estátuas, como passeios interativos e sessões de curtas-metragem em 4D.

Eu e Audrey Hepburn.
A manhã seguinte foi, digamos, real. Desci na estação Green Park e passei pelo parque de mesmo nome para chegar ao Palácio de Buckingham. Os portões estavam lo-ta-dís-si-mos. O motivo? Troca da guarda. A cerimônia é um verdadeiro espetáculo para os ingleses e atrai os olhares de vários turistas, mas, quando tudo acabou, achei o ritual meio bobinho. Os guardas andam de um jeito engraçado e bradam palavras quase incompreensíveis. Tudo tem um tom tão formal que me surpreendi quando, ao pegar os instrumentos, a banda começou a tocar “Let it go”. Uma fofura! 

Encerrado o evento, fui até a Catedral de St. Paul. É lindíssima; um símbolo de esperança e resiliência, mas não tive tempo – e nem coragem – de subir os muitos (mais de 500, ok?) degraus que levam até suas galerias. A arquitetura é tão encantadora que estava disposta a driblar as regras e sacar a câmera para tirar umas fotos, até que vi um padre repreendendo uma moça ousou executar a ideia que eu tive, dizendo: “Madam, please. No pictures. This is a holy place. Madam. Please.” 

Esquilo fofinho (existe esquilo não fofo?) que encontrei em St. Paul's Yard.
Almoçamos ali por perto mesmo, numa das 88756598 Starbucks existentes em Londres. Aliás, elas são tão caras quanto as brasileiras. Infelizmente não havia uma estação de metrô que pudesse nos levar até a Torre de Londres, nosso próximo destino, então fomos de ônibus mesmo. Depois de andarmos em círculos e olharmos meia dúzia de mapas, achamos o ponto correto. Não foi o bastante! Chegamos lá às 16:10h e demos de cara na porta. Sem mais nada a fazer, sacamos a câmera e andamos até a Tower Bridge. Em Londres, no inverno, o sol aparece muito tarde e vai embora muito cedo, ou seja, apesar do horário, a ponte estava completamente iluminada, pois já estava escuro.

Na volta para casa, pegamos o trem errado e acabamos presenciando uma briga na estação. Comecei a ouvir “fuck, fuck, fuck” e, de repente, dois caras estavam se atracando e lançando um ao outro contra a parede. Agarrei a mão de Mariana e tentei desesperadamente entrar no trem, que já estava cheio. Foi desesperador, mas passou e culminou em boas gargalhadas.

Quinta feira foi um dia destruidor de corações. Minha mãe ouviu uma briga durante a madrugada, seguida por sirenes policiais. Como chegaríamos tarde de Derbyshire (por volta de onze horas da noite), ela não achou prudente visitarmos Chatsworth House. Entendi sua preocupação e o peso de sua responsabilidade caso algo desse errado. Com um aperto no coração, concordei, e abri mão da viagem de trem e da visita ao lugar que foi cenário da adaptação cinematográfica de “Orgulho & Preconceito”, meu livro favorito.

Empurrei o pão duro do café da manhã do hotel (aliás, todos os pães que experimentei em Londres eram, em sua maioria, duros) goela abaixo e reorganizei o roteiro, partindo rumo à British Library. A sala dos tesouros é realmente preciosa! Foi muito legal ver a história bem diante dos meus olhos: a escrivaninha de Jane Austen (♥), os rascunhos das composições dos Beatles, cartas trocadas durante a Idade Média e Segunda Guerra Mundial etc.


De lá partimos para a Charing Cross Road, onde fiquei frustradíssima ao perceber que a livraria Blackwell’s havia fechado. Para meu alívio, não demorou muito até que eu avistasse a Foyles, um paraíso de cinco andares, recheado de livros. E eu que achava a Saraiva Megastore grande! Surtei diante de cada estante e consegui a proeza de gastar somente 62 libras, mas, ainda assim, fiquei com sentimento de culpa (sou mão de vaca).

Acabada a sessão bookaholic, andamos mais um pouco e, já na Oxford Street, demos de cara com o perigo em forma de loja: Primark. Tudo lá é muito fofo e muito barato, mesmo convertendo os preços para o real.

Usarei agora três palavras para descrever a tediosa manhã de sexta-feira: Chelsea e frio cortante. Mamãe e eu acompanhamos Mariana no tour pelo estádio do respectivo time, mas nenhuma de nós e fã de futebol, então ficamos de fora. Como as saídas dos passeios eram de meia em meia hora, imaginamos que essa era a duração do tour. Engano nosso: eles duravam uma hora. Precisei sair às pressas dali e levar mamãe para um ambiente aquecido, pois ela estava passando mal com tanto frio. O vento se mostrou tão feroz que tivemos que suspender o passeio em Notting Hill e adiar a caminhada pelo Hyde Park.

Quando, finalmente, chegamos ao hotel, percebemos que havia um pub bem ao lado dele. Sem comer algo decente há dias (estávamos à base de Pret a Manger, Subway e afins) e desejosas por um ambiente quentinho, entramos e pedimos o tradicional fish and chips. Serviram um filé de peixe e-nor-me, com uma porção generosa de saladas e um molho maravilhoso, do qual eu virei fã. De pança cheia, fomos para o quarto e dormimos até as 17h, quando saímos para conhecer a Trafalgar Square. 

A árvore que enfeita seu centro, embora real e grande, não é bonita. Todos os anos, desde 1947, a Noruega envia um pinheiro para os ingleses, como forma de agradecê-los pela ajuda durante a Segunda Guerra Mundial. Tive a impressão de que a pobre da árvore estava sofrendo as consequências de sua brusca partida. A visita valeu só pela imagem da National Gallery iluminada. Lindíssima!

Trafalgar Square. À direita da árvore, um coral que cantava músicas natalinas.
O salvador do dia foi o London Eye Ice Rink. Patinar, ainda que sem talento ou habilidade, debaixo da London Eye foi como estar numa cena de filme. As luzes azuis deixavam tudo mais mágico, porém esse não foi o principal adjetivo caracterizador da noite. Mariana tomou uns cinco tombos (durante um deles, agarrou no sobretudo de uma moça e a levou ao chão), o que tornou a experiência bem engraçada.


Não me lembro muito bem do sábado; sei que fomos à Primark de novo e à M&M’s World, que fica em Picadilly Circus e cujo cheiro é entorpecente (sério, não dá pra ficar muito tempo nessa loja!). Antes de chegarmos à última, paramos para pedir informação numa barraquinha de artigos turísticos. O senhor que nos atendeu perguntou se éramos italianas e, ao dizermos que vínhamos do Brasil, ele balançou as mãos fazendo coxinha, abriu um sorriso largo e bradou: “Ah! Brasileeeeee!” Não precisava ser muito esperto para perceber de onde ele era.

Mais simpático que os guardas da rainha hahaha!
Domingo, 21/12, foi um dia de frustrações. O frio, mais uma vez, resolveu ser nosso inimigo e não nos deixou explorar o Hyde Park por completo. Pode parecer frescura, mas não é. O desconforto decorrente da baixa temperatura é agravado pelo vento, que mais parece uma lâmina afiada a cortar a nossa pele, trazendo uma sensação de desorientação. Pra completar, nosso Oyster Card deu chilique, e o – pouco – dinheiro restante estava nas nossas malas, no guarda volumes do hotel. Isso melou a ida à Abbey Road e, consequentemente, aquela foto “must take”.

Neste dia, bem no finalzinho da viagem, descobri mais um traço interessante da cultura britânica: a honestidade. Primeiramente, minha amiga havia esquecido um estojo num banco do Hyde Park. Mal nos demos conta do ocorrido, mas quando fizemos o percurso de volta, adivinha onde o estojo estava? Exatamente no mesmo lugar. Mais tarde, comprei um ímã de cabine telefônica por 1,99 pounds. Como era de se esperar, paguei com uma nota de dois pounds. Já estava saindo da loja quando a vendedora me abordou e me deu um penny de troco. Fiquei impressionada, pois embora soubesse que existem moedas de um (1) penny em circulação, estava acostumada à dinâmica do Brasil, onde os preços são taxados sempre de forma a embolsar o centavo do cliente.

Um pouco mais tarde o carro do traslado veio nos buscar. É, não tinha mais jeito. Hora de dar tchau. No aeroporto, após despachar as malas e passar pelo constrangimento de ter que abrir minha bolsa de mão devido ao fato de que os ingleses consideram 400g de Nutella como substância líquida, esperei até que o portão de embarque fosse aberto. E daí que eu queria ficar mais? O melhor a fazer era correr pro avião e torcer pra que o vôo e a conexão em Paris passassem bem rápido.

Quando a aeronave decolou, chorei. Não só por deixar Londres, mas por saber que uma experiência semelhante não se repetiria tão cedo.

Dizem que não existe lugar como a casa da gente. Mas e quando a gente descobre que nossa casa é o mundo?

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